quarta-feira, 30 de julho de 2014
segunda-feira, 28 de julho de 2014
domingo, 20 de julho de 2014
Os filhos são pais da morte dos seus pais
Há uma quebra na
história familiar onde as idades se acumulam e se sobrepõem e a ordem natural
não tem sentido: é quando o filho se torna pai do seu pai.
É quando o pai envelhece e começa a trotear como se estivesse
dentro de uma névoa. Lento e impreciso.
É quando aquele pai que segurava com força a nossa mão já
não tem como se levantar sozinho. É quando aquele pai, outrora firme e intransponível,
enfraquece de vez e demora o dobro do tempo para sair do seu lugar.
É quando aquele pai, que antigamente mandava e ordenava,
hoje só suspira, só geme, só procura onde é a porta e onde é a janela - tudo é
corredor, tudo é longe.
É quando aquele pai, antes disponível e trabalhador,
fracassa ao tirar a sua própria roupa e não se lembra dos medicamentos que tem para
tomar.
E nós, como filhos, não faremos
outra coisa senão trocar de papel e aceitar que somos responsáveis por aquela
vida. Aquela vida que nos gerou depende da nossa vida para morrer em paz.
Todo o filho é pai da morte de seu pai.
Ou, quem sabe, a velhice do pai e da mãe seja curiosamente a
nossa última gravidez. O nosso último ensinamento. Fase para devolver os
cuidados que nos foram confiados ao longo de décadas, de retribuir o amor com a
amizade da escolta.
E assim, como mudamos a casa para receber quem nasce,
tapando tomadas e colocando cercas, vamos alterar a rotina dos móveis para
criar espaços para os nossos pais.
Uma das primeiras transformações acontece na casa de banho.
Seremos pais de nossos pais na hora de colocar uma barra de
apoio no chuveiro.
A barra é emblemática. A barra é simbólica. A barra é
inaugurar um cotovelo das águas.
Porque o chuveiro, simples e refrescante, agora é um
temporal para os pés idosos dos nossos protectores. Não podemos abandoná-los em
nenhum momento, inventaremos os nossos braços nas paredes.
A casa de quem cuida dos pais tem os braços dos filhos pelas
paredes. Os nossos braços estarão espalhados sob a forma de corrimões.
Envelhecer é andar de mãos
dadas com os objectos, envelhecer é subir escadas mesmo sem degraus.
Seremos estranhos na nossa
residência. Observaremos cada detalhe com pavor e desconhecimento, com dúvida e
preocupação. Seremos arquitectos, decoradores e engenheiros frustrados. Como
não previmos que os pais um dia adoecessem e precisassem de nós?
Feliz do filho que é pai do seu pai antes da morte e triste
do filho que aparece somente no funeral (quando acontece…) e não se despede
dele um pouco em cada dia.
No hospital, a enfermeira fazia a manobra da cama para a maca,
repondo os lençóis, quando o Zé gritou:
— Deixe que eu ajudo…
Reuniu todas as suas forças e pegou pela primeira vez o seu
pai ao colo.
Colocou o rosto do seu pai contra o seu peito.
Ajeitou nos seus ombros o pai consumido pelo cancro:
pequeno, enrugado, frágil, tremendo.
Ficou nos seus braços um bom tempo, um tempo equivalente à
sua infância, um tempo equivalente à sua adolescência, um tempo interminável.
Embalou o pai de um lado para o
outro.
Aninhou o pai.
Acalmou o pai.
E apenas dizia, sussurrando:
— Eu estou aqui, estou aqui, pai!
O que um pai quer ouvir no fim da sua vida é que o seu filho
está ali.
Joaquim Maneta Alhinho
quarta-feira, 16 de julho de 2014
domingo, 13 de julho de 2014
A dor do abandono em vídeo
A dor do abandono...
Era uma manhã de sol quente e
céu azul, quando o caixão contendo um corpo sem vida foi baixado à sepultura.
De quem se trata? Quase ninguém sabe. Poucas pessoas acompanham o féretro.
Ninguém chora. Ninguém sentirá a falta dela. Ninguém para dizer adeus ou até
breve.
Depois
que o corpo desocupou o quarto do asilo, onde aquela mulher passou boa parte da
sua vida, a responsável pela limpeza encontrou numa gaveta ao lado da cama,
umas anotações. Um diário sobre a dor... Sobre a dor que ela sentiu por ter
sido abandonada pela família num lar para idosos... Talvez o sofrimento fosse
muito maior, mas as palavras só permitem extravasar uma parte desse sentimento,
gravado nalgumas frases:
Onde andarão os meus filhos?
Aquelas crianças sorridentes que embalei no meu colo, alimentei com o meu
leite, cuidei com tanto zelo, onde estarão? Estarão tão ocupados que não possam
visitar-me, ao menos para dizer olá, mãe? Ah!... Se eles soubessem como é
triste sentir a dor do abandono... A mais deprimente solidão... Se ao menos eu
pudesse andar...
Mas dependo das mãos
generosas destas raparigas que me levam todos os dias para apanhar um pouco de
sol no jardim... Jardim que já conheço como a palma da minha mão.
Os anos passam e os meus
filhos não entram por aquela porta, de braços abertos, para me envolverem com
carinho, com afectos...
Os dias passam... E com eles
a esperança vai-se... No começo, a esperança alimentava-me, ou eu a alimentava,
não sei... Mas, agora... Como esquecer que fui esquecida? Como engolir esse nó
que teima em ficar na minha garganta, dia após dia?
Todas as lágrimas que chorei
não foram suficientes para desfaze-lo... Sinto que o crepúsculo desta
existência se aproxima... Queria saber dos meus filhos... Dos meus netos...
Será que ao menos ainda se lembram de mim? A esperança, agora, parece estar
atrelada aos minutos... Que a arrastam sem misericórdia para bem longe de
mim...
Às vezes, em sonhos, vejo um
lindo jardim, que transcende os muros deste albergue e se abre em caminhos
floridos que levam a outra realidade, onde braços afectuosos estão à minha
espera com amor e alegria... Mas, quando acordo, é a minha realidade que eu
vejo... Que eu vivo... Que eu sinto... Um dia alguém me disse que a vida não se
acaba num túmulo escuro e silencioso... Que a vida continua após a morte, de
uma outra forma... Mas com certeza a minha matéria, a minha mente, o meu eu,
desta vida que vivo agora, com o nome que tenho, nunca mais existirá! E quando
a morte chegar, só vai restar a saudade que com o passar do tempo se ameniza...
(se é que alguém vai sentir saudades minhas, já que não sentiram enquanto ainda
estou viva neste asilo...)
Sinto que a minha hora está a
chegar... Depois, quando eu partir, gostaria que alguém encontrasse estas
minhas anotações e as divulgasse. E que elas pudessem tocar os corações dos
filhos que internam os seus pais em asilos e nunca os visitam... Que eles
possam saber um pouco sobre a dor de alguém que sente o que é ser abandonado...
Pensem que a cada pai e a cada mãe Deus perguntará: O que fizestes do filho
confiado à vossa guarda? E aos filhos: O que fizestes aos vossos pais?
Joaquim Maneta Alhinho
sábado, 12 de julho de 2014
domingo, 6 de julho de 2014
terça-feira, 1 de julho de 2014
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